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Nuvem de Gafanhoto

Há duas semanas quando estava perto da fronteira a nuvem de gafanhotos lancei umas perguntas para nossos clientes sobre está invasão não muito agradável. Recebi a resposta de 24 pessoas. Quero agradecer por ter compartilhado o seu sentimento sobre este tema. Logo também quero dizer que fiquei serenada porque a maioria das repostas foram de acordo ao que o Rancho Canela do Mato pensa sobre os procedimentos de cuidar do meio ambiente. Também foi possível aprender com algumas repostas, ou foi possível lembrar que existem opiniões diversas das nossas, assim como existem pessoas que além de comprar os alimentos que produzimos se sentem profundamente ligadas ao projeto ao ponto de expressar suas preocupações com as situações aqui no campo. Finalmente, está busca de opinião, se deu dentro da semana que se comemora o dia do agricultor e tenho uma opinião sistêmica desta comemoração que vou compartilhar aqui neste texto.

Algumas possibilidades

Apresentamos uma mini enquete com cinco questões. A primeira indicava algumas possibilidades de ações caso chegasse até nós alguma das nuvens de gafanhotos que rondam nossa região.

Assim como a pergunta, as respostas não exigiam nenhum conhecimento profundo de biologia ou agronomia ou qualquer conhecimento cientifico muito específico. Nossa intenção, como descrito no texto inicial da enquete, é compartilhar preocupações com todos os envolvidos neste projeto, ou seja produtores e consumidores.

No gráfico, surgem os números que representam as opções escolhidas. Percebesse que “usar técnicas alternativas …” foi o item com maior escolha, seguido por “usar inseticidas biológicos … ”

Ao olhar este dois pontos posso entender que de acordo ao que é praticado no Rancho Canela do Mato, uma parte importante das resposta estão de acordo com nossa filosofia de cuidar do meio ambiente.  O projeto Rancho Canela do Mato surgiu da ideia de ter um espaço rural onde se pudesse praticar a agricultura de forma sustentável, dentro do conceitos de respeito ao meio ambiente, de preocupação com as pessoas que trabalham aqui, e que todos estes elementos pudessem ser compatíveis com a geração de atividades econômicas sustentáveis para o projeto. Assim como estas terras possam ser herdadas por nossos sobrinhos com o selo de respeito a natureza.

Quando uma praga como as dos gafanhotos, muito embora não seja a única, ameaça o Rancho, o cérebro agroecológico, começa a pensar em todos os itens envolvidos em qualquer ação que se possa escolher. Não é uma escolha somente econômica. Muito embora sabemos que ao ser atacado por estes bichinhos, nossos pomares seriam afetados drasticamente não só este ano, mas com possibilidade de ficarem improdutivos por dois a três anos ou perder árvores já produtivas. Sem contar que na horta, muito possivelmente se perderia grande maioria de nossas culturas.

Mas o que mais preocupa em relação as ações tomadas para combater este pequenos animais, é o efeito que qualquer produto usado teria na contaminação de nossos pomares e hortas. Estamos a 10 anos trabalhando para limpar a propriedade de qualquer produto que foi usado aqui no passado e trabalhando sem uso de produtos que envenenam o ambiente nas novas culturas. Imagina só ter que voltar a está prática por um ataque inesperado de gafanhotos?

Ainda lembro que no ano de 2017 estávamos muito preocupados com um vizinho que colocava veneno para os bichinhos que atacavam as videiras da  propriedade lindeira  a nossa. Novamente, imagina colocar nas nossas culturas. Tal ação é tão fora de realidade do Rancho Canela do Mato, que fico paralisada com a opção eminente deste ataque.

Nossa relação de ganhos econômicos está estritamente ligado aos benefícios que qualquer atividade realizada aqui provoque na natureza. O ataque de uma praga na produção fará com que ocorra a escolha entre o perder produção e perder a confiança que todos os consumidores do Rancho Canela do Mato depositam em nosso trabalho.

Seria este o caso de escolher o mal menor?

O mal menor para mim é bem difícil de aceitar.  A seguir uma divagação sobre o tema:

Tem dois campos de aplicação: o genérico, da prática, e o específico, da ética da decisão. Num primeiro sentido (amplo), o princípio do mal menor significa que, prevendo males inevitáveis, é preferível permitir o menor, escolhendo-o para evitar o mal maior. Num segundo sentido (mais restrito), o princípio do mal menor significa que, quando todas ou cada uma das possíveis decisões a serem tomadas são, realmente negativas e não existe alternativa para tomar uma decisão, é preciso optar pela menos negativa. (… fonte… algum lugar na web)

Sou pragmática mas nem tanto a ponto de dizer que escolhi veneno a perder toda a lavoura. Meu pragmatismo seria mais do tipo não escolhi veneno e agora terei que trabalhar mais para recuperar o perdido, pois escolhi minha convicção ecológica. Escolhi a coerência como guia. E ser coerente me ajuda a seguir um caminho dentro de um sistema complexo e dinâmico como é o trabalho com a natureza.

Nem sempre escolho o ecologicamente correto. Eu mato mosquito com aerossol comprado no supermercado. Eu combato formiga que destrói os canteiros de brócolis com granulado.

De forma geral sou bastante ecológica reciclo lixo, reciclo roupas, consumo de forma parcimoniosa qualquer bem que necessite.

Voluntários para combater os gafanhotos.

O mais prazeroso foi ver este gráfico. Quando a pergunta foi se receberíamos ajuda para pelejar contra os insetos, a respostas foram animadoras. Sei que os que responderam não, tem motivos fóbicos por isto não são voluntários, mas a grande maioria é parceira para o enfrentamento. Isto é muito importante, mas muito mais importante.

Acredito que a agricultura não é um ato solitário. Quando falo em co – produção de alimentos, falo de escolhas que como consumidores fazemos ao comprar um alimento, falo em ações de reciclagem para melhorar a natureza, falo em ombro a ombro para manter o sistema agroecológico. Sozinhos não somos ninguém, muito menos na agricultura.

É neste contexto que me refiro ao dia do agricultor. Agricultura é uma atividade social, entre muitos. Ela existe pois como ser humano menos nômades, mais sociais, precisamos dela. A Agricultura que eu falo é diferente de agronegócio. Ela tem relação com a cultura em funcionamento na produção e comercialização de alimentos. Ela se refere a uma rede onde se interrelacionam pessoas, alimentos, meio ambiente, economia, prazer, saber fazer. Ela se relaciona com os dias frios aqui onde está o Rancho Canela do Mato, ou com o verão seco, ou com a terra arenosa, ou com o conhecimento de agronomia para esta terra e não outra distante de mim ou de quem consome.

Sendo assim o dia do agricultor para mim não é o meu dia, ou dia do Cassiano, ou da Gabriela, ou do Eduardo. O dia do agricultor é o dia de todos aqueles que percebem na agricultura um ato de amor a vida. E como tal buscam se aproximar desta realidade de diferentes formas.

Finalmente, … ou não!

Não quero que os gafanhotos venham até aqui, pois é provável que vou tentar enfrentar  eles cara a cara. Com os pés, com uma raquete de matar mosquito, com fumaça.

Não quero enfrentar eles. Por enquanto espero que os hermanos e a própria natureza me ajude a desviar esta ameaça. Por enquanto espero ter tempo para poder aprender melhor o que fazer. Por enquanto conto com a ajuda daqueles que me escreveram na enquete suas dúvidas e anseios, que são muito parecidos com os meus. Por enquanto não sei muito bem o que fazer. Sei o que não fazer: usar veneno nas plantas que tanto cuido, na terra que muito respeito, mas pessoas que aprendi a respeitar.

O pior,  hoje –  3 de agosto de 2020 – está quente de novo…

Keli Pereira de Oliveira