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O que não fizemos em 2020

Olá Rede do Bem!

Estamos escrevendo para você para te dizer que no ano de 2020 você foi um companheiro fundamental para nosso projeto de produção de alimentos bons, limpos e justos. Fundamental no sentido mais básico, apoio, pilar.

Por aqui tínhamos projetos novos para o Rancho Canela do Mato. Queríamos fazer eventos mensalmente como almoços, cursos, wokshop. Aí nem precisa dizer, não é? Março terminou com outra vontade. A vontade de nos isolar.

Em abril ficamos na dúvida de como proceder, com medo do desconhecido. Muitas novas famílias se acercaram ao projeto dado o medo de desabastecimento de alimentos, ou porque que queriam algo mais saudável, ou porque estavam em casa e tinham que cozinhar.

Abril, maio e junho nossas entregas tiveram 50 % de aumento. Aí fizemos outros planos, contratamos outra colega para ajudar a entregar – a Jéssica, aumentamos nossos espaços de cultivo e a quantidade plantada. Também trocamos a plataforma virtual do Empório Canela do Mato, saímos de um app para uma página na web.

No entanto conforme diminuía o medo de todos, foi passando o susto, foi diminuindo o isolamento social, e as pessoas foram buscando alternativas para se alimentar que não fosse cozinhar em casa. E nossas entrega diminuíram, e diminuíram até o ponto de voltarmos ao normal. Mas, inclusive durante o mês de setembro, diminui abaixo do normal.

Outubro, novembro e agora dezembro foram meses disformes em relação as compras na nossa Feira Virtual. Tentamos entender, ser empático com a vida fora da nossa propriedade.

Em novembro o Cassiano, um de nossos agrônomos decidiu dedicar-se integralmente ao seu curso de mestrado e se afastou do Rancho Canela do Mato. Chegou o Fernando, para ajudar a cuidar dos pomares e lidar com máquina e equipamentos. E apoiar a Gabriela, a outra agrônoma da propriedade.

Bem estamos te contato tudo isto porque no fim do ano as empresas de capital aberto fazem um relatório para seus parceiros de como foi o ano. Vamos colocar como um resumo executivo:

– 2020 nós fizemos a primeira colheita coletiva de melancia no Rancho Canela do Mato.

– 2020 nós batemos o recorde de entregas.

– 2020 saímos de um app para uma página na internet sem interromper as entregas.

– 2020 fizemos mais sábado feira que nunca (entre janeiro e março). Recebemos muitas visitas e conhecemos novos amigos.

– 2020 novos produtores locais se somaram a nossa feira virtual. Aumentando a oferta de alimentos bons, limpos e justos.

– 2020 gastamos dinheiro com bolsas plásticas, fato este que nos deixa desconfortável.

– 2020 colhemos safra recorde de pêssego, de beterraba, de cenoura, de brócolis, de alho poro, de mandioca, de abobora italiana, de repolho, de alface americana.

Também queremos dizer que quando você compra do Empório Canela do Mato você participa das seguintes ações de bem comum: • Recicla vidros, papel, plásticos e latas.

• Doa alimentos para 4 intuições que cuidam de crianças e idosos.

• Fomenta o desenvolvimento local.

• Incentiva a produção em pequenas propriedades e pequenas agroindústrias.

• Apoia o reflorestamento.

• Incentiva o cuidado ao nosso aquífero Guarani.

• Diminui o uso de agrotóxico do planeta.

Adicional a todas estas informações gostaríamos finalmente agradecer toda a convivência e confiança que depositaram em nosso trabalho e permitir que nossos produtos estivessem à mesa de sua família bem como desejar muita luz e prosperidade em 2021.

E sobre o título do texto… nem lembro mais o que não fizemos!

 

Quem de dentro de si não sai

Vai morrer sem amar ninguém

O dinheiro de quem não dá

É o trabalho de quem não tem

Berimbaou – Vinicius de Moraes

 

A gente não quer só dinheiro

A gente quer dinheiro e felicidade

A gente não quer só dinheiro

A gente quer inteiro e não pela metade

A gente não quer só comida

A gente quer bebida, diversão, balé

A gente não quer só comida

A gente quer a vida como a vida quer

Desejo, necessidade, vontade

Comida – Titãs

 

Da equipe Canela do Mato Gabriela, Fernando, Claudia, Eduardo, Keli e Jéssica

Cebola e tomate o ano todo! Será?

Você sabe porque o Empório não tem cebola, nem tomate?

Por que não é época destes alimentos serem colhidos. Considerando que aqui no Rancho Canela do Mato escolhemos plantar produtos da estação e portanto temos uma lógica diferente daquela que os supermercados e feiras na cidade oferecem.

Escolhemos trabalhar com a natureza a favor, juntos.

Sendo assim nossa escolha estratégica de cultivos não é dominar o clima, ou o solo, ou as sementes. Para tanto devemos nos organizar para semear, plantar e colher conforme nossas estações, solo e clima.  Está bem, neste momento vocês devem estar pensando :Que clima? Que estação?

Está bem ! Também é verdade que aqui nesta cidade temos todos as estações em um dia as vezes. Por isso tem dias que nossas alfaces no lugar de desenvolver as folhas desenvolvem flores, e tem dias que o brócolis não tem flores, e tem dias que a rúcula não cresce de jeito nenhum.

Bem seguindo a conversa sobre os tomates e as cebolas. As cebolas plantamos entre abril e julho. Elas ficam 6 meses na suas covinhas crescendo. Ai sim colhemos e teremos cebolas frescas por uns dois meses, aí termina. Já é o terceiro ano que estamos plantando cebola. Na primeira vez plantamos umas 20 mudinhas, foi o Eduardo que fez, em um cantinho da horta. Deu super bem. Ai no outro ano nos empolgamos e o Cassiano plantou uma bom pedaço de terra com cebolas! Não foi uma colheita muito boa em termos de quantidade e tivemos uma perda, por que erramos ao cuidar das mudinhas.

E a safra 2020?
Cebolas junto ao pomar de frutas

Bem este ano já com os novos aprendizados plantamos para fazer a terceira tentativa. Estamos controlando o solo, o manejo das plantinhas invasoras, a preparação do solo, a irrigação, as doenças que atacam a folhas entre outra atividades. Isto tudo já leva 4 meses. Estamos esperando uma boa colheita.

Quando colhemos deixamos elas secarem no sol, por isso temos que planejar também o dia da colheita para que tenhamos uma quantidade natural de luz e calor que nos ajude a secar e manter as cebolas mais saborosas e com boa qualidade por mais tempo. Com certeza vamos mostrando para vocês o passo a passo.

Mudanças de hábitos e alternativas

Sabemos que fomos acostumados a ter cebola todos os dias para cozinhar, mas eu garanto a vocês que ela não faz falta na cozinha quando não é época. Nós aqui usamos cebola na cozinha quando é época – principalmente fresca na salada – e eventualmente nas outras épocas quando um receita pede. Mas no resto do ano usamos: cebola em conserva (em pasta ou com vinagre) que fazemos com as cebolas que são consideradas fora de padrão em relação a tamanho e forma. Depois, quando termina nossas conservas, usamos alho em folha, cebolinha, manjericão, alecrim, orégano, salsa, sálvia, tomilho, coentro, pimenta.

Em relação só tomate é a mesma lógica, que posso contar mais em um outro encontro. E é por isto que não temos cebola nem tomate todo o ano. Experimenta outros temperos quem sabe? Se tiver dívidas me escreve e trocamos umas receitinhas.

Beijocas,

Keli.

Nuvem de Gafanhoto

Há duas semanas quando estava perto da fronteira a nuvem de gafanhotos lancei umas perguntas para nossos clientes sobre está invasão não muito agradável. Recebi a resposta de 24 pessoas. Quero agradecer por ter compartilhado o seu sentimento sobre este tema. Logo também quero dizer que fiquei serenada porque a maioria das repostas foram de acordo ao que o Rancho Canela do Mato pensa sobre os procedimentos de cuidar do meio ambiente. Também foi possível aprender com algumas repostas, ou foi possível lembrar que existem opiniões diversas das nossas, assim como existem pessoas que além de comprar os alimentos que produzimos se sentem profundamente ligadas ao projeto ao ponto de expressar suas preocupações com as situações aqui no campo. Finalmente, está busca de opinião, se deu dentro da semana que se comemora o dia do agricultor e tenho uma opinião sistêmica desta comemoração que vou compartilhar aqui neste texto.

Algumas possibilidades

Apresentamos uma mini enquete com cinco questões. A primeira indicava algumas possibilidades de ações caso chegasse até nós alguma das nuvens de gafanhotos que rondam nossa região.

Assim como a pergunta, as respostas não exigiam nenhum conhecimento profundo de biologia ou agronomia ou qualquer conhecimento cientifico muito específico. Nossa intenção, como descrito no texto inicial da enquete, é compartilhar preocupações com todos os envolvidos neste projeto, ou seja produtores e consumidores.

No gráfico, surgem os números que representam as opções escolhidas. Percebesse que “usar técnicas alternativas …” foi o item com maior escolha, seguido por “usar inseticidas biológicos … ”

Ao olhar este dois pontos posso entender que de acordo ao que é praticado no Rancho Canela do Mato, uma parte importante das resposta estão de acordo com nossa filosofia de cuidar do meio ambiente.  O projeto Rancho Canela do Mato surgiu da ideia de ter um espaço rural onde se pudesse praticar a agricultura de forma sustentável, dentro do conceitos de respeito ao meio ambiente, de preocupação com as pessoas que trabalham aqui, e que todos estes elementos pudessem ser compatíveis com a geração de atividades econômicas sustentáveis para o projeto. Assim como estas terras possam ser herdadas por nossos sobrinhos com o selo de respeito a natureza.

Quando uma praga como as dos gafanhotos, muito embora não seja a única, ameaça o Rancho, o cérebro agroecológico, começa a pensar em todos os itens envolvidos em qualquer ação que se possa escolher. Não é uma escolha somente econômica. Muito embora sabemos que ao ser atacado por estes bichinhos, nossos pomares seriam afetados drasticamente não só este ano, mas com possibilidade de ficarem improdutivos por dois a três anos ou perder árvores já produtivas. Sem contar que na horta, muito possivelmente se perderia grande maioria de nossas culturas.

Mas o que mais preocupa em relação as ações tomadas para combater este pequenos animais, é o efeito que qualquer produto usado teria na contaminação de nossos pomares e hortas. Estamos a 10 anos trabalhando para limpar a propriedade de qualquer produto que foi usado aqui no passado e trabalhando sem uso de produtos que envenenam o ambiente nas novas culturas. Imagina só ter que voltar a está prática por um ataque inesperado de gafanhotos?

Ainda lembro que no ano de 2017 estávamos muito preocupados com um vizinho que colocava veneno para os bichinhos que atacavam as videiras da  propriedade lindeira  a nossa. Novamente, imagina colocar nas nossas culturas. Tal ação é tão fora de realidade do Rancho Canela do Mato, que fico paralisada com a opção eminente deste ataque.

Nossa relação de ganhos econômicos está estritamente ligado aos benefícios que qualquer atividade realizada aqui provoque na natureza. O ataque de uma praga na produção fará com que ocorra a escolha entre o perder produção e perder a confiança que todos os consumidores do Rancho Canela do Mato depositam em nosso trabalho.

Seria este o caso de escolher o mal menor?

O mal menor para mim é bem difícil de aceitar.  A seguir uma divagação sobre o tema:

Tem dois campos de aplicação: o genérico, da prática, e o específico, da ética da decisão. Num primeiro sentido (amplo), o princípio do mal menor significa que, prevendo males inevitáveis, é preferível permitir o menor, escolhendo-o para evitar o mal maior. Num segundo sentido (mais restrito), o princípio do mal menor significa que, quando todas ou cada uma das possíveis decisões a serem tomadas são, realmente negativas e não existe alternativa para tomar uma decisão, é preciso optar pela menos negativa. (… fonte… algum lugar na web)

Sou pragmática mas nem tanto a ponto de dizer que escolhi veneno a perder toda a lavoura. Meu pragmatismo seria mais do tipo não escolhi veneno e agora terei que trabalhar mais para recuperar o perdido, pois escolhi minha convicção ecológica. Escolhi a coerência como guia. E ser coerente me ajuda a seguir um caminho dentro de um sistema complexo e dinâmico como é o trabalho com a natureza.

Nem sempre escolho o ecologicamente correto. Eu mato mosquito com aerossol comprado no supermercado. Eu combato formiga que destrói os canteiros de brócolis com granulado.

De forma geral sou bastante ecológica reciclo lixo, reciclo roupas, consumo de forma parcimoniosa qualquer bem que necessite.

Voluntários para combater os gafanhotos.

O mais prazeroso foi ver este gráfico. Quando a pergunta foi se receberíamos ajuda para pelejar contra os insetos, a respostas foram animadoras. Sei que os que responderam não, tem motivos fóbicos por isto não são voluntários, mas a grande maioria é parceira para o enfrentamento. Isto é muito importante, mas muito mais importante.

Acredito que a agricultura não é um ato solitário. Quando falo em co – produção de alimentos, falo de escolhas que como consumidores fazemos ao comprar um alimento, falo em ações de reciclagem para melhorar a natureza, falo em ombro a ombro para manter o sistema agroecológico. Sozinhos não somos ninguém, muito menos na agricultura.

É neste contexto que me refiro ao dia do agricultor. Agricultura é uma atividade social, entre muitos. Ela existe pois como ser humano menos nômades, mais sociais, precisamos dela. A Agricultura que eu falo é diferente de agronegócio. Ela tem relação com a cultura em funcionamento na produção e comercialização de alimentos. Ela se refere a uma rede onde se interrelacionam pessoas, alimentos, meio ambiente, economia, prazer, saber fazer. Ela se relaciona com os dias frios aqui onde está o Rancho Canela do Mato, ou com o verão seco, ou com a terra arenosa, ou com o conhecimento de agronomia para esta terra e não outra distante de mim ou de quem consome.

Sendo assim o dia do agricultor para mim não é o meu dia, ou dia do Cassiano, ou da Gabriela, ou do Eduardo. O dia do agricultor é o dia de todos aqueles que percebem na agricultura um ato de amor a vida. E como tal buscam se aproximar desta realidade de diferentes formas.

Finalmente, … ou não!

Não quero que os gafanhotos venham até aqui, pois é provável que vou tentar enfrentar  eles cara a cara. Com os pés, com uma raquete de matar mosquito, com fumaça.

Não quero enfrentar eles. Por enquanto espero que os hermanos e a própria natureza me ajude a desviar esta ameaça. Por enquanto espero ter tempo para poder aprender melhor o que fazer. Por enquanto conto com a ajuda daqueles que me escreveram na enquete suas dúvidas e anseios, que são muito parecidos com os meus. Por enquanto não sei muito bem o que fazer. Sei o que não fazer: usar veneno nas plantas que tanto cuido, na terra que muito respeito, mas pessoas que aprendi a respeitar.

O pior,  hoje –  3 de agosto de 2020 – está quente de novo…

Keli Pereira de Oliveira